30.10.05

velho escaravelho

Entre meus dois olhos se abre e ancora
Feixe de luz e memória me encanta
Como se fosse para o vão a ponte
Como se nada impedisse a passagem
E livre e mirabolante serpenteia a paisagem
De caules, flores, origens e horizontes
Planos inclinados me atravessam e imantam
Como espelhos jogados entre a prata e o agora
Doura porém finais de sóis nos teus cabelos
E da pele brota penugem por demais madura
Parecem fios ou raios de lucidez e cura
A idade consta apenas como dado
Não escrito, nem documentado ou parecido
E nas fibras da tua carne pelo tempo amaciada
Que eu me refiro nestas linhas desta vez por tal figura
Parar a queda de vertigem, veio ao fundo e a mim
Ingressando de repente na imagem
Perfeita, ressonante, labiríntica, amante
Poderia se tornar meu escaravelho
Protegendo meu egípcio segredo
Que ama a cada cheiro que persegue
Como se não houvesse medo, fim ou desespero


08/03/01

Prefiro cinema a construir

Nesta comum manhã do mesmo salgado
Dos holofotes lacrimejando no despertar
Temakis de espirais voluptuosas, morosas
Enlouquecidas no histérico resgate, meu amor
E me vendo, no escuro, à luz torpe da rua
Tradizer os costumes não por hábito
Mas por modismos, como o comprimento das saias
Nada há por detrás, por debaixo e adentro
Que não esteja aqui mesmo, corpo presente
Ou se não estivesse todo o tempo. Ousar
Tocar sem fato físico ao menos com o calor
Da respiração da intenção, segunda que fosse...
E partir sem tê-lo feito túnel
Que carrega aqueles instantes de açúcar original
Quando eu costumava ser gélida nos fragmentos
Arredondar inteiros em ingenuidade pueril
Lançar casacos à lama e dizer ser ponte concreta
Alçar estrelas com a ponta dos dedos quebrados
Na ponta dos pés com os quais cheguei nesta Linha _
Gentil.
Passo atrás de outro.
UM.

Rapunzel

Cabeça de fósforo,
Pé de chinelo
Sou mais feliz aqui
Na curva da Niemeyer
E pular de asa delta!
Cai na mão:
Balão ou flier
De festa
Roberta
Acesa, esperta
Larga e longa
Igual ao Maracanã
e curta como amanhã
Se inspiro forte
Lanço ponte ou trança
A você... na dança
Se cortar as madeixas
A franja. Olha...
Você tá careca, sabia?
Já vejo as entradas
E perdi a saída!
Da rodovia
Você perdeu a deixa.
Sem retorno
Boticário,
Vamos roubar a sorte
Mexer no kharma
Falsificar o ascendente
Derrubar estrelas cadentes
No Planetário cenografado
Destino arranjado
Quadrilha de São João...

23/06/03

29.10.05

Exposição ao tempo

Os trens correm nos trilhos, como saem deles as gavetas
O dia rola atrás do hemisfério e teimo: não há!
Mares invadindo litorais, chove no céu da boca
A garganta, queima-roupa, sob o ferro de passar
Só não passa aquilo que nunca vem nem veio
Chega. Mais perto, mais ligeiro... noite de núpcias
Sóis distintos por entre a trama de folhas verdes e secas
E suas, sois o ondular da ferrugem de tudo o que e úmido
E como quase tudo que em sua química contém metal
Reage ao tempo. Aos ares de maresia
Letal, qualquer intempérie
Paixões sozinhas
– curtas, longas, célebres e céleres –
em séries.

28/06/04

boneca de louça e osso

A vida levou-me as bonecas
companhias e conversar
me levou a festas
me deixou em casa
o vento contra meus seios
me levou o dinheiro
arrancou-me lágrimas
arrancou-me a roupa
arrancou minha máscara
me jogou ao chão
e por mais que eu tente
alcançar teu passo
me alça indefinidamente
me impulsiona sempre à frente
por mais que o que mais queira
já estivesse lado a lado
até que ficou para trás.

10/11/98 as 08:00h

Pêssego, Manga, Caju

não passamos de instintos
em sua maioria ordenados
por vezes ferocizados
ou, outras amansados demais

a ponto de romper
me irrompo em artifícios
a fim de te comprometer

pia batismal
nessa pedra sou negra
de tão carne

o ato de ir
é pura hipnose
se pudesse me amar por osmose...
ou ser beleza aa imagem de ti

a tua boca é abismo
teus olhos mortalhas
que me vestem forçosamente
enquanto me dispo das sandálias

nesta terra sou indígena
alemã dos feixes solares
guarani nos teus cotovelos
guaraná nos meus joelhos

e nas paradas de águas revoltas
ser morna e deitada barragem
de onde vaza meus desejos
afluente em teus segredos

ser mulher pra ser serpente
ser criança pra roubar-te
e extorquir com um sorriso
rebentar de beijo na viagem

o fogo que te cega
e o mesmo que faz o vidro
e faz dele tua lente


28/07/99

Lua inteira

Imigrantes
barcos de Iemanjá
pequenos passivos às marés
sob a luz das velas e estrelas
gigantes sobre a lua líquida no mar
marina dos desejos, proas e convés
flutuando mil pés sem vento
a mandinga do tempo parado...
e alguns pares de pés se movem
como mastros e lemes
descalços enfeitiçados
de novo milênio
do sabor do novo amor
degustados ao sol e ao sal
salinas salivas e segredos
delatados pela noite clara
deleitados e deitados
sob a clara sorte no céu
de quem se apaixona no mar
dilatados pelo horizonte do oceano
e por tudo de bom que pudera e existe

pouco depois do reveillon de 2000

26.10.05

Pecan

Se soubesse ser o último
teria te beijado súdita
calada, ultimato único
como em sauna úmida
me beija ou eu te mato
porque senão me acaba
te intimo e em mim desaba
na intimidade obtenho perdão
no teu jeito de amar saudade
rítmico me faz teu chão
idem me faz teu istmo
e na península do teu traçado
a mim todo voltado
os meus contornos
aderem a teus entornos
e usam atalhos
frutas de pecado
filho temporão

27/04/99

Trilogia de Março

bateu um vento mais forte minha cabeça já virou
passou um carro meus olhos acompanharam
não minto nem sinto de falar do amor
por você que não passava até que passou
até que passaram muitos carros e secou
as flores, as sortes e cartas. a glândula.
que chora, se enamora de qualquer um
refletido no que é vidro e quebra

Efêmera, lhe encontro na tal curva
perigosa, dos seus cílios
e num piscar de olhos passional me denuncio
e quando volta o brilho da luz à atmosfera
fugi, que nada acessível sou ao consumismo
justamente por querer permanecer
na sua esfera. de contato. de imediato.
não estou. porque estar, como na sala...
entregue ao solo sob você

Procura-se você, cara da moeda
meu amado negativo, pop art colorido
avesso ou contrário, o meu pólo positivo
feito imagem, tampa, pé
meu young quero inteiro
insight das manhãs amanhã
risco, traço, design e domínio
cartesianamente irmão meu

entre 03 e 04 de março de 2003

24.10.05

Criado mudo, mesa de cabeceira

Meu corpo tende a teu norte
meus braços se distendem forte
como se eu fosse elástico
me enlaçam, me prendem, rendem
às cadeiras, à cama, a todos os móveis
e nada se move, tudo mal parado
a não ser os fantasmas
daqui a muito pouco serei eu
mobília herdada
mas sou mesmo propriamente muita madeira
e minha voz, inútil, eu perdi, não a tenho
ela fugiu correndo, desesperadamente veloz
a fim de vencer a luz que vem me acordar
todo dia, cada um vazio e sem pressa
nenhuma, eu desafino, piano velho mal usado
e na tensão de um violino gritando
as cordas me arrebentam
me perdoe eu desafino

Espartilho

De querer a todo tempo te pretender
não ouso mais prender-te em mim
a mim parece mais razoável deixar
quieto, calado, estável, ermo, enfermo
distante e longínquo como num sonho
na lembrança de um deja vu em dia branco
tenho que deixar-te em paz e para trás
quando queria o teu cheiro a preencher o peito
tenho que deixar-te ir, sem vir, voltar
não há lugar quando nada pára no estômago
sem saber o que vem depois do inferno
e depois de amanhã antes de chorar
assim que abrir meus, os olhos pesados
e perceber-te: ... ausente, passado
juro que vou caminhar no ritmo mesmo
exato com o qual tu me amavas
tenho que deixar-te soar o som lento
dos teus batimentos e ser só tua natureza
a música que eu danço sozinha. Sozinha.
porque escuto reverberar... ao meio a me partir
e por fim, fingir, deixar de deixar-te existir