27.8.05

Aquilo

Trecos, coisas, negócio.
troços e destroços
eu traço
timtim por timtim
$ trôco
com juros e correção monetária
vendo; alugo; compro
uso e abuso
capião
capim-limão
erva-cidreira
santa-padroeira-da-aflição
e da inflação
dívida externa
conjecturas da macro economia
e os rendimentos no microondas
o pão nosso de cada dia

19.8.05

Veloz

E depois sou eu radioativa
se quem derrete todas as minhas
bijouterias
é ninguém diferente de você
e diz que me vestirá de jóias
garganta e paladar

e com os cavalos todos que eu costumava cavalgar
me ultrapassou as cilindradas
sobre seu patinete motorizado
gravatas
garfos e grifes
etiquetas às suas grosserias
muitos talheres
pra tão pouca civilização
grossos ou finos
tratos e truques
nós e cabelos
e eles todos eleitos
nunca se apaixonaram
tranças e traços
desvelo e despeito

17/12/03

Na Laje

Nesta província lavada
Na manhã seguinte ao temporal
De cimentados caiados ao sol
Tímido, híbrido, expondo a ferrugem
Da decadência inevitável da pele
Daqueles dias de paixão abissal
Das desnudas e músculos
Desfeitos ao hálito das marés
Como se fôramos feitos
De bálsamo ou sal e salmoura
As sardas e o ruivo do vermelho
Incendiando óleo negro: veraneio
Marcas do tempo no que é físico
E em tudo absolutamente que é vivo

18/12/03

Mercúrio Chromo

Inocentar-me
como se alguém
pudesse interferir
neste estado de inocência

A ingênua idade
quando se ferir
era dor física
curada à merthiolate

por debaixo da franja

E se faz noite quando estou por debaixo da franja
a luz pouca é suficiente para enxergar-te cor do sol
quando na timidez da lucidez magia vem morar em mim
e de você anunciar-me não namorada
e vir morar comigo ao olhar frente ao futuro
o puro deixado aos calcanhares dá-me vida às mãos
faz de mim arquiteta
de castelos
de areia

2003

sossego

Eu queria projetar uma casa
que fosse mais mundo que lugar
porque se é preciso um piso
que o chão nos dê um abrigo
se é necessário uma laje
que o céu nos cubra de noite
e de dia a sombra das árvores
se for preciso mais do que pés
que o ar se faça veículo
a sola seriam sapatas
os braços seriam abraços
e se o coração batesse, voaria
a praça seria minha casa
e minha cama seria meu queixo
entre a flor que fazem tuas mãos
o levantar do teu peito sossego

09/03/99

Sistema Solar

Capital cinza do meu império de hortelãs
Desce minha garganta mentoladamente
Não mente pra mim o conhaque quente
Não me maltrata o paladar de forte anis
Doce província das colônias de avelãs
Moinho de engenho de açúcares e azuis
Pisar tuas salinas à beira deste caos - o mar
Sol e branco são minhas sensações de amar
A tua estrela permanece dia adentro
O alinhamento do teu músculo meu centro
Com a seqüência dos teus passos faço dança
Com a interrupção dos teus impasses lembrança
Saturnina te botar anéis
Venuziana te encher de amor

21/05/99

Paisagem Vermelha

Desvia-me a atenção
como quem rouba sem fugir
carregando a vergonha
dando as mãos
caminho normalmente
até sumir...
como uma barragem
ensopando matas e montanhas
alagando vales e violas
pra secar outra paragem
destituindo artificialmente
as margens e artimanhas
do correr sem compromissos
um ruído na música
uma percussão desalinhada
no classicismo do teu físico
a tentação contemporânea
uma mancha que macula
caligrafias impecáveis
assim peca minha alma
atraída por tua carne
desnudando intocáveis
o que oculto recatada
consumindo só por gula
o que imprescinde fisiológica
o que falta pela gana
e que regula periódica

12/05/99

Meridiano

Contigo eu falava outra língua
nem minha nem tua
era estrangeira no teu país
e no meu também
não tem fronteiras,
não conheço os trópicos,
pra criar o teu clima...

Veridiana, a vera linha
que aproxima na tensão
que mata com o excesso
que corta à lentidão

Se tivesse cerol eu sou a seiva
sou o teu greenwich versus equador
já que não me reconheces amor
migro ao pólo, abro uma cerveja
e bebo toda pensando que sou chuva
no teu relevo seco, não percebes?
sinto agora lassitude mas sou mesmo latitude
lascívia sabe tuas coordenadas
em teu corpo sou anfíbia, por ti enamorada.

02/03/99

18.8.05

Caligrafado

sua caligrafia se enrosca nos meus cabelos
por entre os dedos vejo luz nos seus espelhos
quando carrega suas coisas bem queria estar entre elas
quem sabe ser sua mochila nas costas, levada nos ombros
ou simplesmente quem lhe olha e lhe enxerga
quero atender seu celular e protagonizar o seu diário
mas se não quer viver pra mim, ginga apenas
que eu me iludo ao inalar o seu perfume
se não quer se declarar, sorri então
que é meu mundo sua voz minha sobremesa
meu sol de inverno, infravermelho

26/04/99

Breve São Paulo

Queria tanto que fosses comigo
aonde a garoa é mais tempestade
onde aquele lugar da cidade
fica mais lindo se visto a teus olhos

Queria voltar a possuir ingenuidade
e não pertencer à distinção da malícia
porque não existe bondade ou maldade
são só instintos, agressões, ou carícias

Queria tanto chover e deitar como cortina
pelo ar úmido e azul das tuas retinas
e te aquecer, menino da minha vista

Míope, apertar-te tão estreito e contrito
astigmática, distorcer-te; te perdendo
e o foco que mudou-me, infelizmente

Há nos pisos, pelos ralos escorrendo
o açúcar do teu sorriso antes da chuva
que o geotropismo apagou da tua mente

12/05/99

Dezesseis

são tantos pápéis
adoro pastéis
como muitos convéis
há tantos véus
são muitos são dez
tiro tantos chapéus
e sempre tem mais
mas são quantos degraus?
e tantos varais
são muitos anéis
para um dedo só
são quantos fiéis
para só um deus?
lembranças camafeus
consortes e avaus
alguns beijos navais
que não passam desse cais
são tantos bordéis
mas a carne é uma só
quantos são os sarais?
detesto mingaus
os sentidos são seis
mas parecem ser mais
quando eu tinha dezesseis
parecia-me demais
são tantos os réus
e poucos reais
são tantos céus
o céu por mil réis!
mas o céu é um só

11/08/98

3.8.05

matemática aplicada

















não se pode supor
o que cresce e o que mingüa
diferem tão somente no movimento
progressivo, decadente
geométrico na parábola
em módulo tudo é só intenso
ou o vazio? uma hipérbole!
conjuntos complementares
genética e trocas químicas
nas atmosferas...

1.8.05

Café

Eu quero ser amada como os latentes
bebem vorazes seu copo de leite
cheio de leite... se servem e criam cedo
bigodes no canto da boca

Do meu menino tenho saudade
do seu sorriso estremecendo em meu ventre
enquanto espreguiço na luminosidade da manhã
a avançar pela janela até o pé da cama

Nossas nucas paralelas e as coxas
frias flores, couve-flor e alcachofras
minha barriga da perna faminta
sob sua força branda e constante

Não me perca nessas horas em que falta
quando falha como o sol no inverno
quando chega quente feito café e desejo
negro e solúvel no meu dia tão branco