30.1.05

Sob a sombra da tua omoplata

De mira em mirada
sigo murada: estufa
onde mora enclausurada
só a banho de sol...
chamo à tua altura
me encaixo no queixo
daquele que por direito
deita entre narizes

Mordaz amor
e amordaçada
pelas deliberadas ações
grátis? enquanto oxigênio é pago!
no clima do ar condicionado
destes palácios sem escadas e corrimãos
mas não morras! vens...
que eu te deixo abrigar-me
sob a sombra da tua omoplata
sobre o campo de pouso dos aviões

15.10.03

Roberta

meu nome de guerra é roberta
embora meu apelido seja de paz
roberta roubada como que lastro
houvesse... ouro fosse, ourives, outrora
imitação barata, réplica falsária
fajuta, sósia, aterro - manhattan
ó manhãzinha, me desperta à porrada
que eu acordo correndo se me sopras
me encantas cantando em italiano
mas se me encostas eu sigo atolada
bem itálica
faz-me esperta que eu faço chantagem
troco tudo por chocolate
nesse mercado negro tá em baixa
sou moeda inflacionada, valho nada?
e de que vale a pele lisa
se o disco está riscado
se os riscos são inúmeros
desfio minhas meias
desafio teus inteiros
projeto para teu protesto
meu pretexto é te pretender
a culpa toda é da lua
me fervendo à banho maria
se eu te percebesse me cozinhando
teria sido um sashimi
cru e quente simultânea
regada à disciplina
rasgada se espontânea
paciente virtuosa no sereno
sem pressa, perfeição,
nipônica

Topografia

Como se caminhasse pra alguma fatalidade
e toda a felicidade que eu teci
tricô, crochê, colcha de retalhos
pintura cubista, seio roubado
verdes alamedas entre o que ouve e o que há
de ouvir e gritar
este vale é testemunho
que a água carrega embora
tudo; até as montanhas

Anfíbia

difícil ter asas pra ser terrestre
bípede e ter no tríceps a tensão
daquelas palavras
me dizem águia quando me sinto peixe
e quanto de pássaro me tolheram
todas elas
e eles
hoje sou mais lenha que fogueira
labareda estúpida ondulando no sereno
eu desdenho e muito suas desculpas
pra atitudes que nem sequer aconteceram
já conheço teu repertório
teu mecanismo de defesa simplório
e a pergunta que me cala
me caleja e ao silenciar mutila
ante à penugem da inocência
é porque não se pode ser um
enquanto dois e dois não são quatro?
porque não se deve ser criança?
onde o mundano brinca
onde se abalam colunas
onde o chão vira gelatina

29.09.04

17.1.05

Moderado

Somos fugazes qual senhas expirando
Fugitivos, suspiros, espirros quando resfria a noite
Merengue, morango, latinos na boite
Baladas, disfarces, máscaras respirando!
Sob cremes, rubor, rouge, maquiagem...
Esmalte
É lindo ver corar alguém nos dias de hoje.

Eu decorei frases feitas pra te impressionar
E os impressionistas me inspiram tanto!
Ao de mim ver desprender deleites
Ama seca de crias inteiras de clones dessas artes
Que alguém correu a acordar nos seus museus
Como eu, que quase desapareci na manhã
Monet branco lavado da sua cama.

Dos tons todos de cinza

que minha sombra se torne pássaro
e meu cerne seja mais forte que a carne
porque, se iguais carvão e diamante
na origem do aço bruto: o mesmo delgado brilhante
dos átomos que você respira - cadeias e árvores
que eu seja mais mulher que o mármore.

02/09/03

14.1.05

veraneio

bolo solado na janela ensolarada
deste morno amanhecer
azul
lápis-lázuli
ali na laje, leite quente
água fria na bacia de alumínio
reflexo, perplexo, pueril
sola de pé na cerâmica
encerada, a cortinada
amarelou
xícaras de plástico
brinquedo importado, estampado
de poá e bordô
empoeirou
o tempo empoeirou
os olhos do grande amor
que ainda não conheço
na maturidade dos raios dos meus gestos
investem na umidade e maresia...
das ressacas da Capitu
capturam-se por bobeira
orientais, películas, asas de borboleta
e helicópteros, fadas-inseto
intensas miradas dos desenhos japoneses
libélulas

02/12/03