29.11.05

Varandas

quando eu sinto tua presença
há algo que se aproxima do perigo
a inconstância de um abrigo
que venta, que chove e mansa
e morna e latente, latejante
é a distância que não deixa tocar
e se expande, numa tenda - onde
tudo se encanta e se descobre -
o momento! o som mais alto
não se ouve porque ensurdece
tuas mãos me afogam de tensão
esmagadora é a tua carga
que se encosta sobre o corpo
de encontro ao eixo, tonteando
tombando toda pelo teu beijo
tangenciando meu umbigo
vem a tua força intensa
despindo minhas varandas
dançando minhas ventanas

18/09/00 as 18:35

memórias de sal


de arroz, de poeira
tempestades de areia
há barcos nos meus fluxos
me navegando e ao mar
em mesmas ondas
e iguais correntezas
aeradas...
habituais memórias novas
hermeticamente fechadas
arfando o meu peito
que não é mais meu
há algum tempo

o pára-brisa

quero embarcar nesta viagem
sem passagem de volta
me entregar aos passos do caminho
sem pensar em avesso
carregando só a mim na bagagem
companhia de um só
rua de mão única
os carros passam-me através
na contramão de qualquer coisa
passaporte está vencendo
não falo língua alguma
senão a das crianças
e do coração

15/03/05

20.11.05

Endereço

Sou arquiteta
e casa não tenho
lares construo, alheios
desfaço
desata-nos os nós
libera-me!
que eu parei derrubando
o úmido do meu olhar
quando você me fez promessa
cidade natal me chama
voltar pra casa da infância
é algo mais que voltar pra casa
que ir pra cama
em que estou dormindo...
deitar à noite no travesseiro

15/03/2005

8.11.05

Tocaia

por que quer possuir um campo minado
se tenho granadas atadas à cintura
posso ser terreno muito perigoso...
quem conseguirá caminhar sobre lanças
quem conseguirá tocar o que é fogo
percorrer a extensão do meu signo
e adormecer amado em trincheiras
por ter enigma suspenso nos ombros
por ter minha boca tocaia na sua
seus olhos arremessam-me longe
quando não me despem, arame farpado
não sou caçadora... sou mais a caça
só não me rendo a você por pirraça

12/03/99

Santinha de barro

Banha nas águas da Bahia
deita nos pampas do sul
Brasileirinha, prenda minha
quiçá que fosse so azul

o sossego de uma açucena
açúcar na flor do maracujá
azedo roxo, pecado e novena
incita, ninfeta, Iemanjá

Da Iara as curvas das ondas
por debaixo o fogo do Boitatá
beleza fria amazônica
a palheta das cores do Bumbá

‘tá na sua pele irônica
que impele e implora
os charcos chacoalham
nos teus pés no teu andar

Os mangues embaralham
caranguejos no teu olhar
Cabocla, me confundes
te encostas no calcanhar

Índia, bruxa, mãe, bandida
gueixa, mestiça, santa, perdida
fada polaca, Vênus tupiniquim
ama forte que nas pernas tem pra mim

12/03/99

Barragem

Quer saber se me compromete
a respiração normalizando
quando tento ao menos
almeja que não
se pudesse
e acumula acumula
me acumula como água
num reservatório de barragem
deixa-me gotejar
não há vazão sem passagem
minúscula em seu tendão
me sinto pressionada
contra teu corpo ao dormir
e sem que se dê conta
sem que preste contas
e atenção
pudera ser como água
acumulada
despencando do céu
com um beijo digo não
ombros parelhados
tornozelos cotovelos
dedos encaixados
sou mulher na tua mão
26/09/01

primeiro fio de cabelo branco

hei! aqui não há escapatória
aquele velho bode expiatório
hiberna
simples copo d’água – contra o sol
vira cisterna
de verão...e virão!
as fortes águas, a derramarem-se
em oratórios
simplória
estória paulista para os porquês
sobre a topografia
fria
traçando pontes
entre
continentes, mentes
...que eu acredito.

Rio 07/10/03

Banho-maria...cheia de graça

Já me vejo às voltas com o fogão
Essência de baunilha, manjericão
Manjerona, dona da vida feliz
Nariz, dedo, dendro, sálvia, coentro
E louros, poucos, mas talvez suficientes
Azeite ou manteiga? Não tenho mão
Moça prendada às avessas
Bruxa feiticeira, cozinheira de plantão
French toast, suor na testa, perdão...
Aceita? Sim! Me reconheço e ao pó
No meio do branco que pudera
Ser sempre mais branco quanto almejado
Preocupada com a falta do leite
E dos copos de leite nos vasos
Improvisados ou heranças da’vó

Rio 27/04/04

Espessura

Gira gira todo meu mundo
Fica na sala a criança
Saio te sorrindo profundo
E mais fundo é na alma
Mais rasos são teus olhos
Que vi neles esperança
Que não perdi por nenhum segundo

(não sei a data...)

7.11.05

Dança e doença

Eu botarei patente
Porque fui eu quem te criei
Na minha platônica mente mestiça
Quando o não ter – sou poeta
O possuir me faz concreta
E ao pertencer sou predileta
Na agenda do teu pensar
Amante latina mas discreta
Tropeçando no teu gingar
No pisar forte me afirmei
Incendiei no sol poente
O teu lençol no meu varal
Cor de jambo é a ferrugem
Que cobre rígida os olhares
Úmidos
Quando o céu se troca em nuvem
Defasando meu arrebor
Volta e meia se veste azul
Mas de um outro ineficaz
A tudo que necessita boa vista
Para quem não quer só olhar
E pra me ter não pede aval

10.05.99

6.11.05

Lilith

Estou transitando entre o gelo e a água
Entre vapor e fábula, aderindo a todo selo
Porque em novelo me desvelo...
De aflita de tão viva – compareço
Algo entre a estátua e a gárgula
Válvula, helicoidal, serpentina
Mas ingênua demais pra ser serpente;
– e eu ausente - inequívoca em francês
Hibernada no silêncio quando é invocação
Agitada ao relento quando é meditação
Texturas ancestrais no meu corpo insistente
Alarmando solidão, palaciana no oriente
Promíscua no poente tecendo imensidão
Se o inverno compromete cinge o terno
Que sem grão não se debulha nada
Que sem instrumento nada se faz nem se mata
E sem perigo não há placidez
A luz não existe se não existe a tensão

22/06/99 - 8:30h