31.5.06

fatia bem fina camada esguia como carpaccio

fatia bem fina
camada esguia
como carpaccio
transparente
corpo translúcido
anorexia
contra a luz e a lucidez
das águas salgadas
salitres, salobras
do branco leitoso
de olhar mareado
folha de papel sulfite
sulferino, sulfúrico
sufocando na espessura
quase nula
de tão fina
negativa indistância
estamos colados
um contra o outro
a favor da química
eu te contenho
como aqueles balões
conjuntos inclusos
conteúdo ambíguo
complementares
siameses

25.5.06

ensaio

a respeito do que não é perfeito
sobre o não saber o que será
das conversas e sobretudo das discussões
o que não é particularmente cenográfico
como as meias e as vezes os pés pelas mãos
amanhã de manhã quando acordar com a chuva
por que? porquê já é uma outra pergunta...
a razão digo não, não sei, sem querer fugiu
se é que algum dia sequer existiu
destino poderia ser cinematográfico
no lento e letal transcorrer das luas
produto de um alongamento involuntário
estiramento acidental de um músculo
elástico como gato, soluço inexplicável
pare este veículo agora que eu quero respirar
senão me atiro: ao alvo! cápsula; pólvora
vírus do bocejo, febre de desejo
colírio pra olhos sem lágrimas
quando paro atrás da tua altura.
larga, exata, perpendicularizada
tensa na nuca de tão reta na verticalidade
dá vontade de fazer deitar
tombar do peso próprio
com um sopro, folha transparente
sólido esculpido pela erosão
escorpião
sedimentado cada camada da tua aura à tua célula
pelo trânsito das pessoas ao teu redor
os altos impactos, os passos, as respirações
a intempérie e os impropérios
que me destilaram e decantaram
tudo o que é relativo à posse
propriedade do nosso arbítrio
privacidade

23.5.06

confissional

te quero em segredo
nas minhas horas escancaradas
e escandalosas e, inesperada,
me lanço a você de ponta-cabeça
- mente - mansa e ansiosa
como se laça a pontas das tranças
e cadarços e dedos
anulares, insulares, violento
como se enlaça as cinturas
e os pescoços dos pares
paralelamente...
mistura
no profundo dos beijos
dançando nas lembranças
e nas palavras escuras
e olhares espessos
e me lanço ao fundo
do peito
como se fosse poço, sedento
esperando alçar vôo sem nenhum
vento
sem quebrar queixo
alcançar sossego
no negro desassossego
como se fosse moço
como se fôra fundo
como se nada mais
importasse neste mundo
apnéia
e absorto, absurdo
tudo tão passional,
e não por isso intencional
só para ter na pele
pêssego e veludo