20.10.08

Seda

por vezes eu me perco
ao percorrer a extensão dos fios do meu cabelo,
cheios de eletricidade,
como a seda, quando encosta no que é pele,
a sensorialidade linear e fria,
de um olhar paralelo ao infinito,
sem pupilas, dilatado,
por outras, me deixo mesmo fracionar,
pas, sivamente,
como se cada pé fosse a uma direção,
e eu me ramificasse em muitas pontas,
de todos os dedos,
com os quais eu pudesse tocar,
manusear e unir,
impressões, digitais e oculares,
num caleidoscópio de abstratos,
fugindo por cada poro,
como pólen no vento,
levada por insetos,
como se minhas veias, em vazão máxima,
fossem mapa geográfico partido,
tantas avenidas, ruas, vias sem saída,
convergindo todas em trânsito lento,
se perdendo no tempo e num cisma,
em algum, em algum ponto,
da extensão dos fios do meu cabelo.

1.10.08

Réptil

A dor cresce garganta adentro, engasgada, no gargalo,
Como se fosse largo gole de mundo tomado a seco
E quando a noite parece impregnar de escuro
Já os ouvidos e todos os estômagos, que temos e não temos,
Como se os órgãos fossem músculos; ela segue
Minuscúla, emaranhando as cordas vocais, despetalando as teclas
do piano das impressões que deixam suas falanges...
Digitais onde jamais deveria ter ousado tocar
Quebraram-se cristais no debandar das revoadas
Dois ou mais pássaros a escapar das mãos tão sujas
Pela intersecção da nossa pequena e ínfima existência
Contra a mediocridade infame de todo o mais
Solto e banal no espaço, opções sacadas das janelas
Debruçadas, eu sigo atirada, como isca ao desespero
E fujo de lançar meu olhar sobre o imaculado
Nem tenho direito de deitar meus sentidos sobre o branco
Das coisas que permanecem na vida intocadas
Mesmo quando vem como morte
A me arrancar de dentro de mim
Pra então forçar-me a caber.